Sábado fui comprar a lista de material da escola dos meus filhos e constatei, com uma pontinha de medo, que eles cresceram.
Quando o meu João estava deixando de ser criança, se bem que eu acho que ele ainda é, apesar de estar do meu tamanho e com quase 14 anos, eu assumo que estava muito mais voltada para a minha Maria, cinco anos mais nova, tão miudinha, tão delicadinha, e por esse motivo nem sofri tanto quando ele deixou de lado a merendeira, como estou sofrendo agora ao ver minha doce menina, abrir mão da mochila de rodinha.
Ainda me lembro da primeira escola dela. A mochila da princesa encantada, que ela saiu puxando com dificuldade, como se fosse o carrinho de bonecas. Eu seguia atrás, enquanto ela dava seus passinhos ainda meio desengonçados, e eu quase não conseguia ver seus cachinhos dourados que a mochila grande e desnecessária escondia.
Desnecessária porque nem precisava ser tão grande e aquela era a mochila que eu queria ter tido quando criança, e foi com certeza, a realização de um sonho, totalmente meu.
Além do lanchinho que eu preparava com carinho, sucos naturais e bolinhos em forma de coração, que ela nunca comia, e que os professores justificavam diante de minhas inúmeras cobranças, dizendo que o lanche era coletivo para estimular o lado social da criança, ela levava também alguns brinquedos, escolhidos a dedo, de acordo com a idade, e todos com o selo do IMETRO, que na maioria das vezes quem brincava eram os coleguinhas.
Era tudo junto e misturado. Segundo a diretora da escola, era feito desta maneira para que as diferenças não ficassem tão gritantes. Ouvia aquilo e ficava imaginando meu bolo em forma de coração na mãozinha da Luana, da Julia, do Rafaelzinho, menos na mãozinha da Maria. Sempre achei isso uma tremenda sacanagem, principalmente quando ela chegava em casa toda feliz, dizendo que havia comido bolo de laranja do Gabriel, justo no dia que eu coloquei bolo de frutas cristalizadas, uma receita super difícil que fiz uma vez pra nunca mais. Andei pelo bairro inteiro atrás das passas sem caroço, para que ela não engasgasse.
O caminho que ela fazia alegremente, todos os dias, não chegava a dois metros entre o portão e o transporte escolar, mas pra mim foi o caminho mais longo e mais dolorido que já percorri. Passei anos esperando que ela chorasse, que fizesse uma daquelas birras, que eu via todos os dias na porta da escola, e que por mais constrangedoras que fossem para aquelas mães que ficavam no meio de toda aquela platéia, que nada fazia para ajudar, me dava à impressão de serem tão amorosas que nem por um momento aqueles filhos aceitavam a separação.
Será que havia alguma coisa de errado comigo?
Ou será que havia algo errado com minha Maria que apesar de tão pequena ia tão tranqüila puxando sua mochila que para ela era o carrinho da boneca?
É claro que as escolas usam todos os atrativos possíveis, não só para atrair as crianças, mas também porque a concorrência é grande. (em outro texto, que já está saltando de minha mente, vou falar mais sobre a tal tia da escola, com cara de “fofa” que nunca foi tia dos meus filhos e me chamava de “mãe” com aquela fala doce, que me irritava ainda mais, toda vez que eu chegava bufando para saber quem havia mordido meu João ou empurrado minha Maria no dia anterior).
Vontando á estória da minha Maria e sua mochila de rodinha...quando ela ficou maiorzinha,
em uma inversão clara de papéis, ela me tranqüilizava quando chegávamos no portão...Te amo mãe...daqui a pouquinho eu vou chegar.
A Sensação de perda que sentia todos os dias é ainda hoje uma sensação indescritível.
Lembro-me que as lágrimas saltavam dos meus olhos tão facilmente, ao ver o transporte da escola, virar a esquina e sumir, que até hoje imagino que toda mãe artista deve se lembrar deste momento, para chorar nas novelas.
Claro que eu tenho que pensar assim, porque eu me recuso a imaginar, que eu fui a única mãe que chorei no primeiro dia de aula da filha. Tudo bem que sempre ouvi dizer que quem chora na maioria das vezes, são os filhos. Mas, com certeza eu não sou a única mulher que se tornou mãe aos 34 anos, depois de um longo e dolorido tratamento. E que mesmo depois de conseguir realizar um sonho, e ser coroada com um filho pra lá de bem humorado e de duas tentativas frustradas ao tentar dar um irmãozinho, pra aquele carinha engraçado que já estava tomando um espaço maior do que deveria, não desistiu e conseguiu, aos 38 anos ser abençoada com uma doce e linda menina, que agora me avisava, sem perceber que eu sofria, de novo, como no seu primeiro dia de aula, naquele doloroso caminho entre o portão e o transporte escolar, que definitivamente, mochila de rodinha nem pensar.
Talvez a minha estória, justifique toda a minha dificuldade em digerir esse momento. Mas essa é uma certeza que só os terapeutas vão poder afirmar.
E agora ela, minha pequena menina, minha doce Maria, quer uma mochila de colocar nas costas. Tentei argumentar dizendo dos problemas que essas mochilas causam nas colunas e do quanto ficaria difícil, apesar do transporte escolar, carregar mochila e merendeira. Mas meus argumentos foram rapidamente por água abaixo, ou melhor, por livraria abaixo, mo momento em que ela deixou claro que ia prestar atenção quanto ao excesso de peso, o que não era verdade, e claro ia ser mais um tarefa para minha listinhas de “obrigações”, quanto a merendeira eu acabava de ser informada, ali na livraria, que tinha sido abolida também.
Mãe... prefiro levar dinheiro para comprar o lanche na escola, igual o João.
Sem palavras, fiquei pensando, se ela seria precoce.
Eu tinha que pensar rápido, não podia deixar que o meu espanto, meu medo ao ver que o tempo estava passando rápido demais, me fizesse chorar. Porque se isso acontecesse ali, no meio da livraria, seria um “mico”, ou quase um chipanzé.
Naquele momento tumultuado, em que meus pensamentos estavam todos atrapalhados, eu precisava ser rápida, e decidir ali mesmo se ia ser uma mãe moderna, descolada, que acompanha o crescimento cada vez mais acelerado da “pequena Maria”, mesmo que isso me custasse algumas sessões de terapia, ou ia ser uma mãe castradora, cheia de culpa, que acha que tem o poder de controlar a pressa dos filhos, em descobrir esse mundo louco que está aí.
Coloquei todos os meus medos dentro de uma gaveta, no meu pensamento. Gaveta que depois, com mais calma, fora daquela livraria lotada de pais, alguns mais realistas e experientes, com suas calculadoras, tentando a todo custo não ultrapassar limites e ao mesmo tempo proporcionar um mundo melhor aos filhos que nem sempre conseguem avaliar como é importante estudar e mais do que isso valorizar as oportunidades. Outros deixavam transparecer o encantamento com a primeira escola do filho, e faziam daquele momento um verdadeiro passeio, como se a livraria fosse um parque, deixando que um pedacinho de gente, totalmente desavisado e despreparado escolhesse o próprio material. Pude ver de longe a mãe tentando convencer a filha de levar o caderno da Xuxa, mais uma mãe, como eu, tentando realizar um sonho de criança. Em outro canto, pais totalmente aterrorizados com os preços absurdos dos livros. Percebi que alguns deles confirmavam o preço com o vendedor, na esperança de ter havido um pequeno erro, e voltavam desolados, com os livros na mão, decepcionados e sem saber o que fazer. Talvez isso justifique a falta de educação para todos. (outro tema que vou deixar para outro texto)
Haviam também na livraria, que até eu já estava achando com cara de parque, filhos malcriados, cheios de vontade e coragem para dizerem o que querem, apesar de tão pequenos, alucinados com os cadernos cada vez mais coloridos, borrachas com cheiro de chicletes, personagens de desenhos animados estampados pra todo lado, (tema para um outro texto) enlouquecendo pobres pais, que creio eu, ano que vem, no mínimo não vão levar as crianças pra comprar o material escolar.
Depois de todo aquele show em uma manhã de sábado e de preferência depois de um bom banho gelado, vou abrir a tal gaveta, aquela onde eu guardei meus medos, e analisar melhor tudo o que estava acontecendo. Olhei bem nos olhos dela, minha pequena menina, e disse que estava tudo bem. Vi tantos absurdos entre pais e filhos que já estava começando a achar normal minha pequena Maria não querer mais a mochila de rodinhas.Claro que lá no fundinho eu tive uma recaída e esperei que ela me desse um abraço apertado e dissesse obrigada mamãe, cena que vi tantas vezes em filmes e sempre me emocionei, e é claro que isso não aconteceu.
E minha Maria continuou andando de lá pra cá, meio perdida e maravilhada, com tudo que via, como uma mocinha, a mesma que até outro dia era menor que a mochila de rodinha.
Quando tudo parecia estar voltando ao normal, ela surge no meio dos livros com os olhos arregalados e totalmente feliz por ter se lembrado de algo importante que quase esqueceu, e me disse com a voz meiga de criança pequena ainda, e com uma certeza que mais uma vez me espantou, que precisava de uma agenda.
Fiquei pensando o que uma criança de apenas oito anos teria de tão importante para ser agendado. E antes que eu perguntasse, porque é claro que ela sabia que eu ia perguntar, ela foi logo explicando que precisa anotar um monte de coisas.
Nem me atrevi a perguntar que coisas eram essas...
E lá fomos nós, de volta pra casa, de volta pra nossa realidade, com algumas mudanças, com livros, cadernos, canetas e borrachas com cheirinho de chicletes, sem mochila de rodinha, sem merendeira, e com uma agenda de uma tal de Jolie, que acabou de tomar o espaço que até outro dia era da princesa encantada.
Carla Pianchão